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Embaixador Ronaldinho não pode viajar. Decisão não viola direitos humanos?

Andrei Kampff

08/09/2019 05h00

Ronaldinho e o irmão dele, Assis, tiveram os passaportes cassados por decisão da Justiça gaúcha, e confirmada pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal.

Na análise do pedido de liminar dos irmãos, a ministra não verificou coação ou violência à liberdade de locomoção por abuso de poder. Ela afirmou também que o acórdão do STJ estava devidamente fundamentado.

A apreensão teve a finalidade de coagi-los a pagar multa e indenização fixadas em um processo por dano ambiental.

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Os irmãos foram condenados em 2015 por construir ilegalmente um trapiche, com plataforma de pesca e atracadouro, na orla do Lago Guaíba, em Porto Alegre. A estrutura foi montada sem licenciamento ambiental em Área de Preservação Permanente. Segundo o Ministério Público, as multas alcançavam o valor de R$ 8,5 milhões em novembro do ano passado.

Como não pagaram, foi determinada a apreensão até que a dívida seja quitada.

Mesmo com passaporte retido, Ronaldinho foi nomeado pela Empresa Brasileira de Turismo (junto com Amado Batista) embaixador do turismo brasileiro.

Agora, essa proibição de viajar não seria uma violação de direitos humanos? Se faz necessária a leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Tratado de San Jose da Costa Rica. E eles precisam ser bem analisados, uma vez que estão internalizados em nosso ordenamento jurídico por força constitucional.

Gustavo Lopes, advogado especializado em direito esportivo e colunista do Lei em Campo, acredita que sim.

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Ronaldinho Gaúcho sofre violação de direitos humanos

Ronaldinho Gaúcho teve seus passaportes confiscados por decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em razão do não pagamento de indenização por danos ambientais no valor de R$ 800 mil.

A fim de fazer cessar restrição em seu direito de ir e vir, Ronaldinho Gaúcho apresentou Habeas Corpus ao STF. A ministra Rosa Weber negou o pedido liminar do ex-atleta e manteve o confisco dos passaportes e, por consequência, o impedimento de que ele deixe o Brasil.

Por mais que o senso comum aponte para a razoabilidade da decisão, eis que busca assegurar o pagamento de um débito e, ao mesmo tempo, impedir que o devedor dispenda valores em viagens internacionais, a referida decisão, sob o ponto de vista jurídico corresponde a violação de Direitos Humanos.

O artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que:

2.Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, por seu turno, assim determina:

Artículo 22.  Derecho de Circulación y de Residencia
1. (…)
2. Toda persona tiene derecho a salir libremente de cualquier país, inclusive del propio.

O próprio STF, no jugamento do Recurso Extraordinário 466.343, reconheceu ter o Pacto de São José status normativo supralegal, ou seja, terá aplicação similar à das normas formalmente constitucionais independentemente de passar por processo formal de recepção pelo Congresso Nacional.

Assim manifestou-se o Ministro Gilmar Mendes:

"Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII) não foi revogada pela ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei n° 911, de 1º de outubro de 1969. Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916". (g.n., STF, Recurso Extraordinário, nº. 466.343, rel. Min. Cesar Peluso, ainda pendente de julgamento)

Os ministros do Supremo Tribunal Federal, portanto, têm adotado posição garantista dos direitos fundamentais, nas mais variadas esferas do direito, especialmente a penal e a civil.

Dessa forma, ao ter proibida a saída do Brasil em razão de dívida, Ronaldinho Gaúcho está sofrendo grave violação aos seus Direitos Humanos, afrontando-se fortemente a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.