CBF e CONMEBOL querem mudar regra no futebol. É uma questão de saúde
Andrei Kampff
17/09/2019 04h00
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) quer mudar as regras do jogo. E tem o apoio da Confederação Sulamericana de Futebol (CONMEBOL). As entidades entregarão um pedido à International Board – entidade internacional que cuida das regras do esporte. E esse pedido tem uma motivação importante: a saúde dos atletas.
A CBF quer que a International Board permita uma quarta substituição em caso de concussão do atleta. Ou uma substituição temporária, como existe em esportes como basquete e futebol americano.
Segundo levantamento da entidade, capitaneado pelo Dr. Jorge Pagura, presidente do Comitê Médico e de Combate à Dopagem da CBF, trauma na cabeça é a segunda lesão mais frequente no Brasileirão por três anos seguidos. O mesmo levantamento mostra que o número de concussões diagnosticadas tem se mantido no mesmo patamar nos últimos anos. Esse fato mostra que o atual protocolo ainda é deficiente para uma lesão que pode causar danos irreversíveis no cérebro.
A concussão cerebral é a perda de consciência num intervalo curto de tempo, e acontece logo após um traumatismo craniano. De difícil diagnóstico, ela caracteriza-se por microlesões, que não são visíveis, mas que apresentam sintomas característicos. E como o diagnóstico é complicado, muitos atletas que sofrem concussão voltam ao jogo, o que é um problema sério.
Como se sabe, o esporte passa por permanente evolução. Sempre que provocado, ele evolui. A briga agora é para mudar regras e deixar o futebol mais seguro para seus protagonistas, o que já acontece em outros esportes.
A CBF, conforme divulgado aqui, já fez uma mudança importante para o segundo turno do Brasileiro visando o combate à concussão.
Os médicos dos clubes, além de seguirem o atendimento estabelecido, terão que responder a um questionário da CBF, relatando tudo que aconteceu com os atletas, independentemente de ter havido um choque mais grave.
A obrigação é importante por dois aspectos: aumenta a responsabilidade dos clubes e possibilita um monitoramento da CBF sobre casos de trauma na cabeça.
Hoje o futebol brasileiro segue o protocolo da FIFA. E ele não ataca de maneira efetiva o problema.
Depois dos repetidos casos de choque na Copa de 2014, a FIFA passou uma orientação sobre o que fazer em lances como esse. Aqui é importante destacar: é uma diretriz, não é um protocolo obrigatório como nos esportes americanos.
Ela diz que o médico da equipe é que vai determinar a continuidade do atleta, mas do lado de fora do campo. São três minutos de atendimento dentro do gramado, e o jogador precisa ser levado para fora de campo. O prejuízo técnico – jogar com um menos – também acelera o atendimento e não ajuda numa avaliação mais correta.
Ele tem um tempo muito curto para diagnosticar a perda de consciência, o andar desnorteado do atleta e fazer as perguntas-chave. Depois de analisar tudo isso, o médico precisa decidir se o atleta tem condição ou não de continuar. Se o médico constatar algo anormal, no vestiário um novo exame deve ser feito, e dura cerca de 10 minutos.
A conclusão é de que a determinação do futebol ainda deixa jogadores em risco, e segundo especialistas, precisa ser aprimorada.
O pedido da CBF
CONMEBOL e a CBF, por meio do Dr. Pagura e com o apoio de Leonardo Gaciba, chefe de arbitragem da entidade, estão com um projeto pronto que será entregue à International Board nos próximos dias.
A International Board pode criar a figura da substituição temporária, para que o atleta seja atendido e avaliado de maneira mais tranquila, sem pressa, e sem o prejuízo técnico de ficar com um jogador a menos em campo. Outra alternativa é permitir uma quarta substituição definitiva – se o clube já tiver feito as três da regra do jogo –, caso seja constatado que o choque na cabeça trouxe uma lesão ao atleta.
Para isso, é indispensável a figura de um médico contratado pela entidade organizadora do evento. Ele que irá avaliar as condições do atleta e autorizar essa quarta modificação, desde que o exame aponte alguma anormalidade que indique diagnóstico provável de concussão.
A ideia é já ter esse médico de campo nas competições organizadas pela CBF a partir do ano que vem.
A NFL – liga profissional de futebol americano – criou um protocolo obrigatório e eficaz depois de perder uma batalha jurídica. Atletas diagnosticados com a chamada ETC (encefalopatia traumática crônica), doença causada pelos golpes que os jogadores receberam na cabeça ao longo da carreira, entraram na Justiça contra a liga.
Depois de uma batalha jurídica gigante, a liga foi condenada a indenizar atletas que foram afetados pela doença em uma ação que chegou a US$ 1 bilhão.
No Canadá, a morte de uma jovem de 16 anos mudou a segurança do rugby. Exames comprovaram que ela morreu depois de uma sequência de choques na cabeça que não foram analisados e acompanhados.
A morte de Rowan, a falta de cuidados com a concussão e os resultados da investigação estimularam sua família a fazer campanha pela "Lei de Rowan" em Ontário. A opinião pública comprou a ideia, o governo e a sociedade passaram a discutir o assunto, e lei foi aprovada. Foi a primeira desse tipo no Canadá, e entrou em vigor em 9 de setembro de 2016.
Além do Canadá, todos os 50 estados norte-americanos têm leis semelhantes ou protocolos esportivos que protegem a saúde dos jovens atletas
No futebol, ainda não se tem caso de atletas que processaram entidades ou clubes por lesões causadas no cérebro pelo jogo. Mas, nos últimos anos, esses tipos de lesões aumentaram. O esporte ficou mais físico. E o risco de haver processos é grande.
O professor Wladimyr Camargos, colunista do Lei em Campo, destaca que a Lex Sportiva não pode ser confundida com a Lei do Esporte. Afinal, esse sistema transacional ultrapassa os limites jurídicos, abrangendo também sociologia, cultura e diálogos; esses, nem sempre tranquilos.
Diálogo, ele foi proposto. Agora é evoluir e avançar na segurança dos protagonistas do jogo, como outros esportes já fizeram. Com o novo protocolo da CBF, com a presença do médico da entidade organizadora dos campeonatos em jogos para 2020, é de se acreditar que a International Board dialogue e avance, analisando e acatando a regra que dá mais segurança aos atletas.
É sempre importante repetir que o esporte vive em constante evolução e transformação. Mas essas só se manifestam quando provocadas.
A provocação pode aparecer como forma de aprimorar o jogo, ou de melhorar a segurança de quem joga. E ela aparece de diferentes maneiras, a partir de processos judiciais, de tragédias, mas também do entendimento científico e humano de que o esporte precisa proteger a saúde de quem pratica. Esse entendimento é fundamental no Direito Esportivo. E aos organizadores do jogo.
Sobre o autor
Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.
Sobre o blog
Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.