Caso de Marega escancara mais um problema no combate ao racismo: o silêncio
Andrei Kampff
18/02/2020 04h00
As pessoas têm dificuldade em enxergar preconceito – lógico que aqui me refiro as pessoas que não são atingidas por ele. Por isso existe uma grande tendência das pessoas de diminuir, contemporizar, colocar na conta da "brincadeira'. Uma lição básica: preconceito existe quando atinge alguém que sofre com um determinado comportamento, que sente – e sofre – com a força de uma postura carregada de preconceito.
Também foi destaque no UOL o que aconteceu no fim de semana (dia 16 de fevereiro) em uma partida do Campeonato Português. O atacante malinês Moussa Marega, do Porto, abandou jogo contra o Vitória de Guimarães após ser alvo de ofensas racistas. A atitude chamou a atenção de todos e repercutiu pelas redes sociais no planeta. A #somostodosMarega esteve entre os assuntos mais comentados no Twitter.
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Depois do jogo, ele declarou: "Gostaria apenas de dizer a esses idiotas que vêm ao estádio fazer gritos racistas… vão se f****. E também agradeço aos árbitros por não me defenderem e por terem me dado um cartão amarelo porque defendo a minha cor da pele."
Agora, Marega esqueceu de falar de algo ainda muito grave também: o silêncio dos seus colegas.
Futebol também é preconceituoso
O popular futebol também sofre com o preconceito. Homofobia, e até racismo. O futebol de Pelé, Garrincha, Nilton Santos e Ronaldinho ainda é pouco representado por negros fora do campo. Não existe presidente negro na série A no Brasil, e o número de técnicos não chega a 10%. O preconceito também se manifesta nessa falta de representatividade. E nas manifestações de injúria racial que têm crescido no esporte segundo dados do Observatório da Discriminação Racial.
A verdade é que a democracia das raças ainda é uma falácia, inclusive no futebol.
É importante entender que a sociedade evolui, e o esporte não pode ficar preso a costumes discriminatórios. Ele precisa evoluir e integrar, aproximar e acolher a todos. No Brasil a Justiça Desportiva não deve permitir mais comportamentos discriminatórios. Para isso, ganhou um aliado.
Para ajudar, o novo Código Disciplinar da FIFA, uma espécie de lei do futebol, aumentou o cerco do combate ao preconceito no futebol. Apesar de mais enxuto, ele está mais completo e moderno, e reforça uma preocupação necessária do movimento esportivo, o combate a todo tipo de preconceito
Movimento esportivo tem papel de destaque na defesa de causas sociais
O apoio à diversidade tem sido uma batalha de vários movimentos ao redor do planeta. Vários movimentos sociais, como também influenciadores, artistas e atletas se manifestaram de diversas maneiras sobre a importância do respeito e da necessidade de inclusão.
Mas no futebol, personagens importantes do esporte ainda andam calados. O que é uma pena.
O esporte sempre foi um catalisador de transformações sociais pelo mundo. Ele ajudou na luta contra o racismo, contra a discriminação aos mais pobres, até na abertura democrática brasileira durante os anos da ditadura.
No mundo, muitos são os exemplos de atletas que entenderam que sua força vai muito além de uma pista ou quadra ou campo, e que eles podem ser agentes importantes na construção de uma sociedade melhor, menos excludente e mais humana. Mas no futebol, nossos craques ainda não entraram para valer nesse jogo.
No Brasil, uma decisão do STF trouxe consequências para o esporte
Com a decisão do STF de usar a Lei do Racismo para punir crimes contra a homofobia, a Justiça Desportiva irá mudar, punindo também atitudes homofóbicas no esporte nacional. O próprio presidente do STJD, Paulo Cesar Salomão Filho, em bela palestra da Brasil Futebol Expo, se manifestou dizendo que o futebol tem que evoluir com a sociedade e não pode permitir a segregação e o preconceito.
Esse postura, com a decisão do Supremo e o novo Código Disciplinar da Fifa, dão caminhos legais para a Justiça Desportiva punir o absurdo por aqui. Pelo mundo, também existem caminhos.
Mas é sempre necessário entender que mais importante do que punir é conscientizar. E os personagens do esporte têm papel fundamental nesse momento. O silêncio compactua com o absurdo.
O Marega tomou uma atitude corajosa. Mas é preciso mais. É preciso acabar também com o silêncio dos colegas.
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Sobre o autor
Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.
Sobre o blog
Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.